segunda-feira, 29 de junho de 2009

Auto retrato - Marco Struve






Ofício


Marco Antonio Struve


Exploro a treva do tempo
O sentimento da recordação
As idéias sem freio,
Desertos de memórias
Perdidos nos sonhos

Arranco um suspiro do vento
Arranco um segredo do vento
Uma estrela apagada de aurora
Brisas secas na tarde fria
Um abraço de despedida
Um sol de face avermelhada

Escavo o lento cristal
Construo o corpo das palavras
Desato o silêncio das frases
Apreendo o modo da canção
Dura. Seca. Áspera. Nua.
Sem paixões histéricas,
Mecânicas. Ruído encalhado na voz

Escolho o melhor talho
O traço mais certeiro
Um avesso diverso
O rasgo navegado no mar
A matéria que move as imagens.
Desafio o medo. Susto o arrepio.
Escrevo palavras no papel vazio.

sábado, 27 de junho de 2009

sede

Marco Struve




Sede


Marco Antonio Struve



Tenho sede de luas


Tenho sede de lábios


Tenho sede de olhos e sorrisos


Tenho sede de manhãs e aromas


Tenho sede de riachos quietos


Enchendo de esperança meus sonhos


Tenho sede de cantar


Enchendo de risos o silêncio


Tenho sede de cantar


A alma das coisas


A alma dos ventos


O fim da alegria


O coração eterno


Tenho sede de cantar


Meu coração oprimido


Junto da alvorada,


A dor de seus amores


E o sonho das distâncias,


A luz dos teus olhos


E uma estrela apagada


Tenho sede de memórias


Tenho sede de desertos


Tenho sede de mistérios


Tenho sede de tempo.

quinta-feira, 25 de junho de 2009

Mãos - Instalação - Elke Littig / Foto - Marco Struve



UMA EXPLICAÇÃO DO ARTISTA


Marco Antônio Struve


Nada mais lisonjeiro do que o que acontece comigo, ou com minha poesia, ou com minhas fotografias. Nunca fiz mais do que me divertir, escrevendo apenas o que dava para escrever, focando-me sobre as coisas mais banais, escolhidas perfeitamente ao acaso dentro de minhas memórias.

Juntar a pintura e a fotografia com a minha poesia trata-se de uma empresa concebida de forma completamente leviana, sem nenhuma intenção profunda, alem de partir das palavras e ir até as coisas.

Vão nos recriminar, por um lado, por esperarmos ver nossas idéias saírem das palavras para adquirirem outras formas, outros materiais, prever sua forma de envelhecer, buscar um certo ponto de vista eterno, sereno, mais ao mesmo tempo de uma forma casual, efêmera, suscetível de questionamentos.

Sob certo aspecto, a vida de uma fotografia, de um poema ou de um quadro, começa no dia em que fica pronto. Conclui-se no momento em que graças aos cuidados do fotógrafo adquiriu sua forma definitiva, foi lapidada pelo olhar, polida pela luz. Assim também, quando o poema escorre para o papel em sua forma definitiva. Assim também, quando o pintura, pigmentada de paixão e cores é esquadrada.

A partir daí, fotografia, poesia e pintura iniciam sua vida própria. Experimentando períodos de adoração, admiração, amor, desprezo ou indiferença, graus sucessivos de erosão e uso, até se reduzirem ao estado bruto do qual foram arrancados.

A beleza tal como desejou um cérebro humano tem a si acrescentados uma beleza involuntária, associada aos acasos da historia, aos efeitos de causas naturais e do tempo, perfeitas pela própria ação do olhar. O homem inteiro está ali, sua colaboração inteligente com o universo, sua luta contra ele, e essa derrota final em que o espirito desprendesse da obra para sobreviver por si própria.

Este é o objetivo principal desta experiência: colocar lado a lado obras que de um certo modo se completam, interagem relacionando-se umas as outras ao mesmo tempo em que tenham vida própria, independentes umas das outras e até de seus autores.

Não nos importamos com as imperfeições. A perfeição é um caminho que só conduz à solidão. Amamos por não sermos capazes de suportar a solidão, e por este mesmo motivo tememos a morte. Mas a solidão é um exercício e a memória dos homens se assemelha aos viajantes que de tempos em tempos precisam se desfazer de suas bagagens inúteis. É assim que surge minha poesia, destas faxinas na memória, deste deixar as lembranças antigas para recolher novas.

quarta-feira, 24 de junho de 2009

Stones celebration - CCXVI - Marco Struve


Revelação

Marco Antônio Struve


Nada te revelei do meu coração
Enquanto repousavas nos meus braços.
Nada te revelei, além da cor da pele,
A inclinação do corpo partilhado.

A nudez que ninguém vê além da roupa,
Ninguém pôde ver, além de ti,
Enquanto penetro a praia iluminada
Pelo sangue que jorra nos meus olhos.

O braços que se estende. A mão que aperta dedos
Não como flor, mas pássaro ferido
Entre a fragilidade do mar e o espaço.

Só te revelei todo o coração
Escrito nos muros em sussurros
Como um rio subterrâneo aflorado
Acqua II - Marco Struve


Água Tatuada


Marco Antônio Struve

Como o olhar consome a demora,
A mão devora o livro em construção.
Desaguando num aquário de luz.

Tudo quanto vejo é falso.
Água tatuada pelo olhar das aves no corpo da sombra.
Canta na curva do sal o que me esquece.
Jamais sossega a pele da tatuagem.
Nada cicatriza o mar

Nada mancha o espelho do teu olhar.

Onde a paixão ecoa e a água encosta a luz.
O desejo sobra na memória
Enquanto a demência se orvalha junto à mão.
Ou o rosto aquece a sombra.

A tatuagem nunca apaga a pele.
Soterrada sob um borrão de musgo.

Os barcos descem ao átrio da areia.
Só a água vela a penúria de um horizonte
Como cicatriz alastrada ao vento.


A pele dorme na água.
Respira enquanto o olhar dissolve a náusea,
como uma súplica riscada na pálpebra das pedras,
Nos destroços dos cristais mais se desce a pele da água.
como a tatuagem inaugura a insônia.

Só o vento sobrevive no fim das águias.
Quanto mais a pele se entrega ao corpo,
menos se desperta a parede cega.

Eu gostava de poder dormir junto ao mar.
Mas já não sei como atravessar o sono,
ou arrepender-me de estar vivo.
Nada do que asseguro fará sentido,
enquanto o sal da memória temperar a crueldade da paixão.

Só o gume da água segura este delírio.
Mesmo que uma janela cante na pele iluminada sob a tatuagem.

Nem sempre o mar consegue adiar o rosto.

O olhar movimenta paisagens adolescentes.
O vento é oblíquo.
A tarde amadurece numa ladainha de nódoas.
Tudo levita à passagem da tatuagem perplexa.


Ultimamente apoio-me muito nas paredes.
Às vezes ponho-me uma capa de sombras pelos ombros,
De onde assisto ao meu futuro.
E é a sorrir na água do teu olhar te estendo um discurso.

Já outros me disseram que não devemos descer à rua com rostos alugados.

Um filete de sangue aduba a tatuagem.
E um violão aquece-me a voz, como o um cefé expresso.

Embalado num delírio crepuscular,

Adormeço as mãos para te expor às tempestades da pele.
Percorro-te com a língua os labirintos
Até onde a cabeça escuta as respirações do sangue.

Morre-se a boca na tez crepuscular, liquescência.
O sol é um tigre ferido às portas do sono.


Nunca outra ave me doeu no peito,
como o vôo adiado ou interrompido sob o sangue.

Eu trabalho para que o texto me amordace num beijo demorado.
Como a tatuagem esmaga a pele.
Sacudo o pó do coração com sutileza de uma pétala de gelo.

Assim como te evoco no saldo do desejo,
somos cruéis até onde se morde a voz.
Arde-me o corpo na cabeça onde não estou.
Devagar e tarde.


Percorri o desejo até às portas do vento.
Entrego a tatuagem aos dias.
Que se pergunta como regressar à pele.
Porque a água foi percutida pela ansiedade.
Sitiada pelo egoísmo.

E ocupada depois, pelo remorso.

Já nenhuma respiração me entala a cabeça,
entretanto exilada noutros fogos.
Chove, e eu também não sei porque é que as sombras não têm cor.
A luz afia o gume do teu corpo.
Para que a tatuagem veja os bastidores do desejo.

Adormece nos mapas do lençol.
Para que o sangue sacie a erosão do medo.
Agora - que pouco ou quase nada me sobra de ti,
que o sol não saiba - aterroriza-me o esquecimento.

Como se dentro de mim não houvesse eu.
Por vezes ainda me apanho a soletrar o anonimato.
A escutar o vento nas veias.

Se não mentisse, diria que me sobra uma janela e a água

Tanto quanto me cola a voz à tua pele,
assim se encantam os cheiros.
Se fustiga o vento na penumbra úmida onde se recorta a neblina,

Tudo já foi dito e redito, para que o corpo não sature mais a vigilância.
Quando Setembro se faz ao mar,
a água trepa pela labareda plúmbea.
O barro aquece as mãos,
e o olhar esfola o sarro da memória.
Na poalha dos crimes acordados,
boceja um coração atônito.


Ainda fará sentido projetar-me
sobre as arqueologias da ternura?